segunda-feira, 23 de maio de 2011

Palestra de Vera Carvalho em Ponta Grossa

Palestra de Vera Carvalho na Faculdade Sant'Ana em Ponta Grossa

A psicóloga Vera Maria Carvalho participou, na sexta-feira, dia 20 de maio, na cidade de Ponta Grossa, da IV Jornada de Saúde Mental, promovida pela Faculdade Sant'Ana, dentro do mini-curso 1 com o tema "A construção complexa das relações".

Sobre este tema, Vera Carvalho escreveu o seguinte artigo:

A construção complexa das relações humanas

Psicóloga Vera Maria Carvalho  (CRP 08/0779)

Em uma reflexão sobre as relações humanas precisamos levar em conta aspectos da nossa contemporaneidade, do contexto em que vivemos e que é dinâmico, povoado de alta tecnologia, com infinitas possibilidades ambientais onde essas relações acontecem e nas suas diversas formas de se estabelecerem.

Temos que refletir no que respeita a construção das relações a partir do que se estabelece na comunicação interpessoal, dos espaços individual e relacional e de outros fatores que permitem construir e estabelecer relacionamentos sejam eles afetivo-amorosos entre homem e mulher, ou nos relacionamentos com diferentes papéis como pais e filhos, empregados e empregadores, entre parceiros do mesmo sexo, entre amigos e outras configurações, de pessoa para pessoa.

Essa reflexão deve nos remeter ao texto de partida: o ato de escolher e sua conscientização.

Dentro do mundo contemporâneo, vivemos na era da informação, da alta tecnologia. Não há registros que apontem para a dimensão do que vivemos hoje. Nunca o mundo conviveu com tanto volume e acesso a informações de todas as origens e com tanta facilidade para tal. A tecnologia não só possibilita o encurtamento das distâncias como a torna cada vez mais ágil, mais rápida e, até, mais descartável. Essas facilidades permitem, nas relações humanas, novas formas de abordagem e escapam dos modelos contemplados anteriormente e aprendidos por homens e mulheres, pelas pessoas.

Se antes as escolhas de relacionamentos eram mais restritas ou comuns entre os conhecidos, os próximos, de um mesmo ambiente ou convívio, hoje a tecnologia promove encontros e desencontros de pessoas em diferentes ambientes, culturas, espaços, línguas e, sobretudo, distâncias. Promove também que nos juntemos a quem tenham especificidades tão especiais – boas ou más, positivas ou negativas, construtivas ou não – e isso acontecendo ao clicar de um só botão, de uma só tecla, de um só desejo. Ao mesmo tempo, no entanto, traz a falsa certeza de quem acabamos de conhecer e nos interessar possa ser mesmo aquela pessoa que nos encantou ou atraiu ou possa ser alguém a quem jamais teríamos interesse de conhecer, portanto de nos relacionar.

Aqui vale provocar com uma reflexão que poderá ser respondida individualmente: Esse fenômeno comunicacional ajuda ou prejudica uma saudável formação de relacionamentos?

Nos aspectos da comunicação interpessoal, temos que dar partida ao que, conceitualmente, entendemos de fato o que seja comunicação. Fio condutor de todas as atividades e relacionamentos humanos, que se estabelece com a troca de sentimentos e entendimentos através de mensagens escritas, verbais ou corporais, se ampliam, na contemporaneidade, a processos virtuais, a comunicação e, em destaque, a que se estabelece interpessoalmente e que se configura como um processo interativo e iterativo entre duas partes, dois pólos, duas essências. Um que constrói significados e que faz suas emissões. Outro, como receptor, que acata, recebe, processa, desenvolve e cria certas expectativas ao ser o destinatário. Há a troca, na interação. O que vem, processado, retorna. Estabelece-se um fluxo. Bate e volta. E, há, sobretudo, a insistência, a repetição, o que nasce do desejo de outra vez, do mais um, do quero mais, de novo, desta vez eu encontro, desta vez dará certo.

Além das palavras, há um universo de significados, no infinito mundo das mensagens, que acontecem de forma direta ou com aquele “charme sutil do texto de partida” como diz um poeta e que geram estímulos e uma latente e pulsante energia, percebidos e recebidos pelas partes que se comunicam. E isso se dá, sem necessariamente, ser presencial, frente a frente, cara a cara, olho no olho. Em boa medida isso se verifica – a de forma crescente – com a intermediação do que lemos num monitor de um note-book, no visor de um telefone celular, ou nos fones de toda uma traquitana eletrônica que nos pluga a vários emissores-receptores, simultaneamente ou de forma particular, num tête-à-tête que só existe em função de bits e bytes, e não apenas do bater de um incerto e inconstante elemento de nossa anatomia cardiológica.

No que respeita aos espaços pessoais, no que é individual ou relacional, discute-se para uma compreensão, primeiramente, o que se entende por individual. Esse espaço individual é aquele em que o indivíduo desenvolve a partir do que conhece de si – ou que pretende conhecer mais e ampliar – e nele investe para ancorar coisas, fatos, sensações que lhe proporcionam prazer e que o enriquece diante dos vários papeis que desenvolve.

Esse espaço tem especificidades com a busca pelo fazer, a formação de grupos sociais – as tais redes sociais, tão em voga, a busca de uma profissão, o desenvolvimento de seu conhecimento e ampliação de aspectos intelectuais, o singelo prazer de estar só, em sua casa, voltado para suas próprias escolhas e envolvido apenas com o que gosta, quer e aceita. Nesse que passa a ser um espaço vital, um aspecto importante é que o indivíduo possa ter consciência do enorme investimento afetivo que ele coloca em cada relação estabelecida.

No espaço destinado e ampliado com o outro ou outros, o relacional é desenvolvido a partir do que o indivíduo conhece de si – e informa de si – e o do outro – do que é e do que diz ser – e do quanto quer e pode negociar com si e com aquela pessoa – real ou apenas virtual - na edificação de uma área comum, essa ante sala onde se assentam eu e ele.

No processo da comunicação relacional, nos guiamos por mapas mentais que construímos e aprendemos a nos orientar pelos nossos aprendizados – com erros e com acertos – ao longo de toda a nossa vida.

A escritora Maria Helena Matarazzo diz em seu livro “Nós Dois” que “as pessoas se escolhem achando que é por amor, mas se juntam sem pensar”. Pelos modelos – e mapas – disponíveis e que foram apreendidos durante nossa caminhada, dá-se um jeito de encontrar alguém que nasceu dentro do nosso mapa mental ou desenho original que rascunhamos e que possam possuir tais e tais características previamente apontadas: alguém da mesma classe social, nível educacional, idade próxima, mesma crença, status, posição social, aspectos físicos, financeiros, filosóficos até.

A existência de um mapa, de um padrão, deste modelo nascido sutilmente em nossa mente e aspirações, não nos atesta ou garante que com “aquela gentil” pessoa o relacionamento possa ter evolução, se consolidar e ter êxito. A experiência nos informa e nos aponta isso como uma verdade.

Há autores que assinalam que os parceiros são escolhidos e que as parcerias se revelam pelas marcas emocionais impressas ao longo de suas vidas e que são provenientes das aprendizagens com o pai e a mãe e, portanto, os parceiros possam apresentar características similares com as do casal original, nossos pais.

A autora Iara Camaratta Anton, em “A Escolha do Cônjuge” diz que “quando um indivíduo seleciona outros, tal como parceiros de profissão, amigos, amantes, amores e bem como quando renuncia a algo que o atrai, estão a serviço dos sistemas aos quais representa. Na maior parte dos casos não tem a menos consciência disso. Move-se como por instinto”, ela nos ensina.

Percebe-se que, hoje, nas relações contemporâneas, as parcerias se estabelecem na busca de uma relação que se compatibilize com a individualidade de cada um, com respeito, alegria e prazer de estar junto e, fundamentalmente, o amor do desejo e não o amor de necessidade ou de dependência. Há quem pense: “Eu gosto e desejo a companhia, mas não preciso”, o que é diferente.

Os fatores que colaboram para uma efetiva comunicação interpessoal são principalmente a percepção, a habilidade e o relacionamento propriamente dito. Nos vários aspectos, a percepção demanda um longo e demorado processo de crescimento pessoal, abarcando a auto percepção, a auto conscientização e a auto aceitação como pré requisitos de possibilidades de percepção mais realística de si e dos outros.

A habilidade de lidar com situações interpessoais – boas ou adversas – exigem várias habilidades entre as quais a flexibilidade perceptiva e comportamental que responde a procurar por vários ângulos ou aspectos da mesma situação e atuar de forma diferenciada, especial, nada rotineira. Um terceiro e importante componente da competência interpessoal refere-se ao relacionamento em si e compreende a dimensão emocional-afetiva predominantemente. O equilíbrio entre o conteúdo cognitivo e a relação afetiva dos parceiros fará com que o relacionamento não seja disfuncional, com desvios.

Obviamente sabemos que existem barreiras à comunicação interpessoal eficaz e elas se apresentam ao longo da caminhada dos relacionamentos: aquela resistência às mudanças quando há recusa ao novo e à crítica. A ressonância que causa confusão entre opinião pessoal com crenças e valores. A insegurança pessoal com medos e traumas em não ser bem sucedido. O descontrole emocional com alteração de humor e motivação para investir mais na relação. Motivação e auto estima com baixa energia na comunicação e não saber ouvir, sempre apresenta maiores dificuldades de compreensão emocional nos relacionamentos.

Outros fatores também colaboram para o incremento das dificuldades comunicacionais e que se ligam, circunstancialmente, a administração do tempo nos ambientes das grandes cidades, a sobrecarga de trabalho, as dificuldades e crises financeiras, o temor da solidão e ainda o conceito de amor idealizado – a paixão eterna – e não o amor compartilhado e construindo em dois.

A construção complexa das relações humanas sempre exige de nós algumas indagações, reflexões e respostas. E essa enorme gama de possibilidades exige que desenvolvamos um auto conhecimento, um entendimento e uma toma de consciência das escolhas pessoas feitas na vida, nos relacionamentos, na profissão, no estilo de vida, nos aspectos ambientais, no espaço privado e público, no que é só meu e no que compartilho dentro do planeta. Essa complexa construção que se faz, antes, internamente, com perguntas, reflexões, processamentos e com as respostas que nos surgem já é um bom começo para que estejamos preparados a ir ao encontro  do outro.

Investir no desenvolvimento e na afirmação de sua autoestima – amar-se e cuidar-se – e reconhecer suas capacidades, potencialidades; exercitar relacionamentos tendo como premissas a sinceridade e o interesse genuíno e natural no e pelo relacionamento; agir de forma espontânea e não ser estratégico; exercitar a perda do ser amado e conviver sem controlar ninguém, sem considerar-se possuidor dele, seu dono; procurar o amor confluente, de mesmos interesses, com aplicação e modos que sejam desenvolvidos com a mais pura expressão da liberdade e da transparência.

Em situações pessoais de dificuldades em desenvolver as habilidades afetivas, comunicacionais e relacionais que não sejam resolvidas individualmente, indica-se a busca pela assessoria pessoal com a terapia individual ou terapia familiar com profissionais especializados.

Nos ensina, Osho: “A nova humanidade precisa criar a atmosfera certa, onde homens e mulheres sejam amigos, companheiros de viagem, completando-se uns aos outros. A jornada se torna uma alegria, uma dança”.

Vale a pena refletir e, assim, aprender a tornar menos complexa a construção sólida de nossos relacionamentos.


Referências e sugestões de leitura:

Nós dois – as várias formas de amar
Maria Helena Matarazzo

Ensaios sobre o amor e a solidão
Flavio Gikovate

Viver bem e ser mais feliz
Flavio Gikovate

Contatos com tato
Virginia Satir

Coisas da vida
Martha Medeiros

Casais em perigo
Peggy Papp

Nosso louco amor
Jô Lamble & Sue Morris

A escolha do cônjuge
Iara Camaratta Anton

Perdas & ganhos
Lya Luft

O silêncio dos amantes
Lya Luft



Um comentário:

  1. Muito Sucesso Vera !!! Voltarei outras vezes. Um grande abraço. Luciana

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